segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Lavadeira

Pés descalços
Joelhos dobrados
O diminuto vestido
As coxas mostrava

À beira da ribeira
Lavava a sujeira
Dos trapos migalhos

Braços nus, ágeis
Um segurava, o outro esfregava
O corpo todo na mesma cadência
A carne vibrava.

Os seios
Prisioneiros no justo decote
Iam e vinham
Libertando-se do cárcere.

Vez por outra
A mão molhada na testa
Cabelos esvoaçados
Breve intervalo.

Retornava à lida
Braços, coxas, seios
A cadência...


renato duran


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uma Vida Caridosa


O sol já ia alto e ele ainda não se dera conta de como tudo aconteceu. Saíra de casa, como fazia todas as noites, para ir ao boteco da esquina tomar uns goles e jogar conversa fora.
Entre uma cachaça e outra, a prosa fluía animada, viajando da política ao futebol, passando pelos acontecimentos do bairro e como não podia deixar de ser, mulheres. Num lugar onde só há homens, jamais poderia faltar mulheres, mesmo que em conjecturas.
Foi justamente quando a conversa chegou neste tópico que o sujeito que estava sentado à uma mesa no canto e até então não pronunciara uma só palavra, falou sobre a Silvinha, a filha da Dona Madalena.
Fez-se um silêncio absurdo e todos olharam para o rapaz, que até aquele momento ninguém notara.
Ele então bebeu a dose em um só gole e repetiu o que acabara de dizer: –  vira a Silvinha, uma madrugada dessas, lá no centro, com roupa de vadia, entrando num carro de bacana.
Silvinha era a filha mais nova de Dona Madalena, uma senhorinha que todos, ali no bairro, adoravam. Dona Madalena, depois de criar os filhos, dedicara-se a abrigar crianças abandonadas que eram deixadas à sua porta, recebendo de todos os moradores admiração e singelas contribuições para manutenção de sua obra. Agora, aquele sujeito vinha com aquela conversa de que Silvinha era puta?
Notava-se indignação e fúria nos olhares de todos no boteco fuzilando o rapaz que parecia não se importar com aquilo. E mais uma vez o rapaz disparou: – já fazia algum tempo que descobrira a vida dupla de Silvinha. Durante o dia ela ajudava Dona Madalena a cuidar dos desafortunados e, à noite, ia lá pro centro entregar-se aos prazeres da carne.
Disse ainda que foi por acaso que descobrira. Certa vez estava com dinheiro no bolso e resolveu comprar um pouco de prazer. Foi à “Rua das Moças”, onde flagrou Silvinha com um vestidinho bem curto e os peitos praticamente de fora, entrando naquele carro de “boy”.
A revolta foi geral e todos, de uma só vez, investiram contra o rapaz. Os mais exaltados chegaram a desferir-lhe alguns tapas.
Seu Raimundo, o dono do boteco, interveio e determinou que ali no seu bar ninguém bateria em ninguém, quando o rapaz, em sua defesa, ponderou que se quisessem, levaria a todos até a “Rua das Moças”, para provar que não estava mentindo.
Dos que estavam no boteco, os mais exaltados aceitaram a proposta do rapaz, alertando-o de que, caso fosse mentira, ele apanharia até a morte. Saíram então, num grupo de seis contando com o rapaz, e foram até a “Rua das Moças”.   
A “Rua das Moças” ficava no centro da cidade, atrás da igreja matriz e tinha uns duzentos metros pouco iluminados. Havia ali cerca de vinte mulheres, todas de salto alto e com o corpo à mostra, oferecendo a quem pudesse pagar, a satisfação de sua lascívia.
O grupo passou a caminhar pela rua e logo o rapaz indicou uma das moças dizendo que era a Silvinha. Pela pouca iluminação que havia e talvez por nunca terem visto Silvinha vestida daquele jeito, inicialmente houve uma hesitação por parte do grupo, que somente a reconheceu de fato quando se aproximou.
Silvinha foi cercada pelo grupo e somente depois de alguns segundos reconheceu aqueles homens. Sentiu o ódio no olhar de cada um a ferir seu corpo como se fossem facas a penetrá-lo. Tentou dizer alguma coisa, mas foi impedida por um soco que lhe atingiu a boca. Seu cérebro estremeceu dentro do crânio e o sangue quente escorreu-lhe da boca.
Ao som de xingamentos – biscate, puta, vagabunda – foi agredida com tapas, socos e chutes que atingiam todo o seu corpo. Sucumbiu e caiu no chão. Continuou a apanhar, mas já não conseguia pensar, apenas sentia a dor de cada golpe recebido.
As agressões somente cessaram quando se ouviu ao longe a sirene de uma viatura, fazendo com que o grupo saísse do transe em que se encontrava e cada um fugisse rapidamente do local.
Quando a polícia chegou, Silvinha estava caída no chão, mergulhada em uma grande poça de sangue. Uma ambulância foi chamada e o cadáver fora removido.
Durante o velório, Dona Madalena debruçara-se sobre o caixão chorando e lamentando não somente a morte da filha, mas como conseguiria, de agora em diante, cuidar de todos aqueles filhos desafortunados que ao longo dos anos foram deixados à sua porta.

renato duran